01/11/2023

Decisão da SDI-2 do TST protege a Propriedade Intelectual da 99 Taxis ao Cassar Mandado de Segurança para Perícia em Algoritmo

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

A C Ó R D Ã O (SBDI-2)

GMDS/r2/lc/ls

 

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DETERMINAÇÃO DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA TÉCNICA NO ALGORITIMO DA EMPRESA. DEMONSTRAÇÃO DO FUMUS BONI IURIS E DO PERICULUM IN MORA. PRECEDENTES.

  1. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra decisão que determinou a realização de perícia técnica no algoritmo do aplicativo utilizado pela impetrante, para o fim de identificar “as condições em que se dava a distribuição das chamadas, a definição de valores a serem cobrados e a serem repassados, a existência de restrições ou preferências no acesso e na distribuição de chamados em decorrência da avaliação e da aceitação ou frequência de realização de corridas, bem como o conteúdo das comunicações entre a ré o motoristas”.
  2. A análise perfunctória dos elementos dos

autos induz a concluir pela reforma do acórdão recorrido.

  1. Com efeito, o deferimento da prova pericial no algoritmo da empresa pode, no caso, revelar-se absolutamente desproporcional e, quiçá, irreversível. Não é crível que empresas de tecnologia, como da espécie, devam expor e revelar informações secretas que possam comprometer a competitividade no mercado em que atuam. De fato, a perícia técnica nos algoritmos da empresa torna vulnerável a propriedade intelectual e industrial no que toca aos pontos de atuação e à identificação das

 

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correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa. A existência de dúvida quanto à extensão e ao alcance do que pode ser extraído da realização da prova pericial, a ser produzida no campo do patrimônio intelectual da empresa, é o quanto basta para robustecer a percepção do fumus boni iuris e do periculum in mora.

  1. Essa preocupação tem sido observada em decisões monocráticas da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho e desta Subseção Especializada. Precedentes.
  2. Recurso Ordinário conhecido e

 

 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário Trabalhista n.º TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000, em que é Recorrente 99 TAXIS DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARES LTDA., Recorrido PEDRO RODRIGUES DE SOUZA e Autoridade Coatora JUIZ DA 33.ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE.

R E L A T Ó R I O

 

99 Taxis Desenvolvimento de Softwares Ltda. interpôs Recurso Ordinário contra acórdão proferido pela 1.ª Seção de Dissídios Individuais (1.ª SDI) do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região, que denegou a segurança pleiteada nestes autos de Mandado de Segurança.

O litisconsorte passivo ofereceu contrarrazões.

Parecer da Procuradoria-Geral do Trabalho, opinando pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

V O T O CONHECIMENTO

 

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Conheço do recurso, porquanto atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.

MÉRITO

 

Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra decisão proferida pelo Juízo da 33.ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte que deferiu pedido formulado  pelo  litisconsorte  passivo  na  Reclamação  Trabalhista  n.º 0010287-02.2022.5.03.0112, a fim de que fosse realizada perícia técnica no algoritmo do aplicativo utilizado pela impetrante, para o fim de identificar “as condições em que se dava a distribuição das chamadas, a definição de valores a serem cobrados e a serem repassados, a existência de restrições ou preferências no acesso e na distribuição de chamados em decorrência da avaliação e da aceitação ou frequência de realização de corridas, bem como o conteúdo das comunicações entre a ré o motoristas”.

A segurança foi denegada pelo Tribunal Regional no acórdão recorrido, assim fundamentado, verbis:

“(…)

Partindo de perspectiva interpretativa diversa da adotada pelo Exmo.

Desembargador Relator, aferida a inexistência de teratologia na decisão impugnada por este mandamus, entendo que a segurança deve ser denegada.

Não há violação a direito líquido e certo da impetrante, pois a d.

Autoridade tida coatora, que é a destinatária da prova, apenas exerceu a prerrogativa que lhe é assegurada pelos arts. 765 e 852-D da CLT e 370 do CPC:

‘Art. 765 da CLT – Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.’

‘Art. 852-D da CLT. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.’

‘Art. 370 do CPC – Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito’.

 

 

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A impetrante não possui direito líquido e certo de que o Exmo. Juiz Impetrado se abstenha de exercer as atribuições e prerrogativas que a lei lhe confere.

Inexiste óbice legal à realização da prova técnica, pois a legislação que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (Lei n.º 9.279/1996), estabelece o respectivo procedimento da coleta da prova relacionada a segredo de indústria ou de comércio:

‘Art. 206. Na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades.’

A fundamentação da decisão tida coatora demonstra que o Exmo. Juiz impetrado se convenceu da necessidade da realização da prova pericial nos autos da ação trabalhista subjacente.

Utilizo também como razões de decidir os judiciosos fundamentos expostos pela Exma. Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região Raquel de Oliveira Maciel, d. Relatora do MSCiv n.º 0103519-41.2020.5.01.0000:

‘(…) Isso porque toda discussão a respeito da formação ou não de vínculo de emprego entre trabalhadores motoristas e plataformas digitais transita pela tentativa de separação daquilo que se apresenta no plano superficial da aparência daquilo que efetivamente corresponde à realidade. Também sabido tratar-se de tarefa árdua, porque relação acinzentada pela combinação algorítmica que, segundo o terceiro interessado, funda o poder diretivo empresarial, porque possibilita, dentre aspectos outros, a definição dos valores dos serviços e, sobretudo, a distribuição das chamadas, conforme preterição e/ou preferência de alguns trabalhadores em decorrência das avaliações feitas especialmente pelos consumidores, assim como a possibilidade de aplicação de sanções que podem chegar até mesmo ao bloqueio do trabalhador. Por essa razão o terceiro interessado requereu nos autos originários a realização de perícia técnica do algoritmo do aplicativo utilizado pela impetrante, mediante a qual pretende identificar as correlações de dados de inteligência que influenciam naqueles parâmetros acima estabelecidos.

A  impetrante  aponta  flagrante  ilegalidade  no  ato

impugnado. Isso porque, empresa que explora plataformas tecnológicas de intermediação digital, afirma que o aplicativo e o software por ela utilizados constituem o principal produto/serviço que oferece. Logo, o código-fonte do algoritmo que manuseia deve ser protegido, na medida em que propriedade intelectual e

 

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concorrencial, resguardado por sigilo empresarial. Acrescenta, ademais, que a análise do poder hierárquico e disciplinar, com base nos parâmetros estabelecidos pelo próprio trabalhador, pode se dar mediante outras provas, como, aliás, o próprio termo de uso por ela disponibilizado.

Em resumo, e de um modo geral, este segundo fundamento tem por base três enfoques que, embora distintos, comunicam-se, seja quanto (1) à utilidade da prova pericial, seja quanto (2) à possibilidade de sua realização, seja, por fim, quanto

(3) a formas e parâmetros.

Orientando-me pelos argumentos trazidos pela autora mandamental, abordei os três planos acima expostos autonomamente apenas a título metodológico, conquanto dialética e interdependentes.

Numa relação de prejudicialidade, analisei, inicialmente, e num cenário o mais abstrato possível, considerando os restritos limites desta ação mandamental, a necessidade e utilidade da prova pericial. Num segundo momento, averiguei sua possibilidade à luz da lei regulamentadora da propriedade industrial. Por fim, e, por igual, abordei formas e parâmetros de sua realização.

Plano analítico 1. A prova pericial é útil? (…) Sem querer adentrar o dilema das redes, discussão que, evidentemente, não cabe aqui, não se pode perder de vista o ar romantizado de programadores computacionais contritos que, desconhecedores da base mínima de funcionamento do sistema de produção vigente, rogam, agora, por regulamentação formal-legal a reduzir o poder que potencializaram. Histórico capturador do conhecimento humano, o capital vale-se da poderosa ferramenta tecnológica que desenvolveu (sublinhe-se, mera ferramenta) a intensificar a produção, aproximando-a o mais rápido à circulação, numa superaceleração do ciclo produtivo de valor. E é de se notar que a impetrante opera na mesma órbita até certo ponto ingênua.

Sem qualquer proximidade com a questão de fundo, que

será devidamente analisada pelo Juízo natural, mas partindo do pressuposto lógico dos interesses em conflito, é certo que a impetrante defende nos autos originários em que figura como reclamada a ausência de vínculo de emprego. Mesmo aqui, inadvertidamente, aprofunda-se várias vezes no tema de fundo, chegando mesmo a salientar, por exemplo, que ‘não há como se considerar o motorista subordinado a um controle por meio de algoritmo’. Logo, não faz sentido mínimo a tentativa de redução do âmbito probatório.

 

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Ora, é exatamente porque os meios de prova documental e oral podem não ser suficientes que o terceiro interessado vindica nos autos originários a realização da perícia técnica. No item 35 (Id. d921566 – págs. 08/09), é a própria impetrante que afirma que a definição dos valores é por ela recomendada com base no tempo e distância. Assim, segundo raciocínio por ela mesmo desenvolvido, caberia ao julgador emitir valor real àquela ‘recomendação’, aferindo a viabilidade de o motorista aumentar ou reduzir autonomamente o valor. Dado, vale dizer, que não é extraído do manuseio dos algoritmos. Mais à frente diz textualmente que realiza promoções e admite a possibilidade de exclusão da plataforma, dados também importantes à configuração ou não do vínculo de emprego e que, por igual, não exigiriam, segundo sublinha, análise do código fonte do aplicativo. E se pode excluir, consoante regra lógica intuitiva, pode, evidentemente, distribuir chamadas para além da mera proximidade geográfica (in eo quod plus est semper inest et minus).

Confirma, ainda, a existência de avaliações e a viabilidade

de acesso ao conteúdo das comunicações com os trabalhadores.

A impetrante, portanto, sustenta inicialmente que a discussão de fundo se basta com aqueles meios, para depois (estou no campo da pressuposição que, no desenho da lide, deve ser confirmada, sob pena de desfiguração da própria lide) sustentar que não são suficientes a confirmar o direito que diz ter o terceiro interessado. Data venia, trata-se de argumento circular, que tem por premissa a própria conclusão. Com todo o respeito que merece a impetrante, parece ela a se inserir nas aventuras de Münchhausen, a tentar salvar-se do pântano puxando-se pelos próprios cabelos. Inviável.

Tanto assim é (e diferente não poderia ser) que também se vale nos autos originários de defesa indireta, na medida em que maneja regras de distribuição do encargo probatório, para sustentar que o terceiro interessado, então reclamante, tem acesso a valores e a relatórios de corridas, diante do encargo da prova que sustenta lhe ser desfavorável nesse momento processual.

Nota-se, no entanto, que uma das formas de se chegar até essas informações, e, possivelmente (ou não, dependendo do juízo de valor a ser feito nos autos originários para autoridade competente), à satisfação daquele onus, é justamente a prova pericial ali requerida. Isso sem levar em consideração a dinâmica e a aptidão da produção probatória (artigo 818, § 1.º, da CLT), considerando que apenas a impetrante detém acesso a todos os

 

 

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dados que entendeu a d. autoridade apontada como coatora como necessários ao julgamento da causa de fundo.

No mais, e a se considerar o volume, a pulverização e a profunda fragmentação dos fatos e das informações que daí exsurgem, é mesmo de se questionar a respeito do quanto factível seria a prova oral, considerando a falibilidade da memória humana, bem como a variabilidade de percepção dos fatos e, portanto, a possibilidade de numerosas construções narrativas diferentes sobre a mesma realidade.

Não se pode, assim, abrir mão de informações depositadas em instrumento tecnológico que detém registros integrais e rigorosos, substituindo-se essa poderosa ferramenta comunicacional por meios de prova outros sabidamente mais débeis.

Nesse passo, a pergunta que intitula o plano de análise 1 apontou para uma resposta positiva. Isso porque provas documental e oral podem não ser capazes o suficiente a subsidiar o Juiz na análise do pedido de vínculo. As informações delas subtraídas podem não ser necessárias à elucidação do caso concreto com a certeza que se exige da jurisdição, sobretudo porque, una (artigo 5.º, XXXV, da Constituição da República), finca o último marco institucional à segurança das relações sociais.

Especialmente quando se trata de análise de relações cuja importância recorre ao princípio da primazia da realidade (sem querer questionar aqui, porque também não é a arena adequada, possíveis contradições entre contratualidade formal e realidade material).

No mais, configurado o amparo legal à realização de perícia técnica nos autos originários (cito, novamente, e ao menos, os artigos 765 da CLT e 396 do CPC), acrescento que o artigo 13 da Lei 11.419/06, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, autoriza o magistrado a determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo. E o § 2.º do referido artigo 13 limita o acesso por qualquer meio tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência. E é nesse mesmo andamento que o § 2.º do artigo 42 da lei geral de proteção dos dados (Lei 13.709/19) admite possa o Juiz inverter o ônus da prova a favor do titular dos dados sempre que resultar excessivamente onerosa a prova. E conquanto o objeto da perícia sob comento não seja a coleta e o tratamento de dados pessoais, o artigo 11, I, ‘d’, da referida lei de proteção assegura expresso tratamento desses mesmos dados pessoais.

 

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Esse, portanto, o caminho necessário ao esclarecimento da discussão de fundo. Só mediante tais informações tem o Juízo natural condições de aferir a veracidade das narrativas desenvolvidas pelas partes, a entender efetivamente como se operava a prestação de serviços.

O laudo pericial, portanto, restringir-se-á apenas ao resultado pertinente ao caso, abstendo-se o perito a responder quesitos cuja resposta porventura ultrapasse esse limite, o que certamente saberá, em concomitância à direção do magistrado do caso, identificar.

Se a relação levada a Juízo é inteiramente mediada pelo aplicativo da plataforma eletrônica, a análise da natureza dessa mesma relação e as informações a respeito do limite de horas de prestação de serviço ou de qualquer outro elemento daí decorrente depende necessária e exclusivamente do conteúdo ali depositado digitalmente, cujos critérios e instruções são determinados por algoritmos e armazenados no código-fonte e nos registros de informações coletadas. E tornando à fragilibilidade da prova oral, é sabido que grande parte desses critérios nem sequer é possível ser acessado pelo terceiro interessado e pelas pessoas que provavelmente serão indicadas como testemunhas, na medida em que protegidos por segredo industrial, como claramente defende a impetrante.

Plano analítico 2. Se a perícia é útil e necessária, pode ela

ainda assim ser inviabilizada, tendo-se por base a garantia legal de sigilo? (…) A autora mandamental defende, portanto, a tese de que a perícia requerida pode trazer prejuízos imensuráveis ao seu negócio, na medida em que exporá seu segredo empresarial.

De fato, como bem enunciado na inicial deste mandamus, a perícia técnica dos algoritmos pode tornar vulneráveis propriedades intelectuais e industriais, o segredo de indústria, aquilo que comumente denomina-se ‘segredo do negócio’. Conquanto a engenharia computacional seja capaz de programar correlações algorítmicas similares (e o mercado está cheio delas), é certo que, exatamente por similares, não se equivalem, na medida em que algum grau de desenvolvimento técnico do conhecimento humano, algum patamar de know how as diferencia, que, evidentemente, precisa ser protegido em homenagem à livre iniciativa e à concorrência.

A Lei 9.279/96 regula essa proteção. Mas é a própria lei que permite e estabelece critérios para a quebra dessa mesma proteção. A tanto, basta simples leitura do artigo 206 (na hipótese de serem reveladas, em Juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como

 

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confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o Juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades).

Fato, vale dizer, que esmorece outra argumentação da impetrante, que num cenário aparente, tenta fazer crer que se está diante de conflitos de interesse coletivo a proteger a integridade do conhecimento patenteado e de interesse individualizado restrito a um determinado trabalhador demandante judicial. Ao contrário, e ao se partir da inquestionável natureza ontológica do trabalho, e da exigência de submissão da universalidade social para a própria reprodução, é o trabalho, aqui (e a relação empregatícia, embora a principal, é só uma de suas vertentes), o ente coletivizado, o direito humano fundamental sob questão.

A se recuperar a gênese coletiva do direito do trabalho, compreendendo-se, portanto, que a proliferação das demandas

individuais constituem, na verdade, atrofia ainda a ser sanada, descortina-se, assim, a fragilidade da argumentação da impetrante.

Acaso necessário fosse, poder-se-ia dizer de antemão, inclusive, que o segredo que defende a impetrante cede frente ao interesse social público e à transcendência, à coletivização do interesse subjacente à discussão de fundo, que assola não só nossa comunidade laboral, empresarial, acadêmica e jurídica, como a todos numa esfera global, a se definir com a maior segurança e certeza possível o caráter, a gênese, enfim, a natureza da relação entre motoristas, aplicativos e clientes.

Aqui, a pergunta que dá título ao plano de análise 2 foi respondida negativamente, na medida em que, apesar da proteção legal, acaso útil e necessária, a perícia técnica não pode ser inviabilizada no caso, tendo em vista que a própria legislação se encarrega de estabelecer parâmetros a compor proporcionalmente o direito coletivo à investigação e o direito individualizado à garantia do sigilo industrial.

Plano analítico 3. Se a perícia é útil e necessária, e se pode ela ser realizada, quais os parâmetros a serem adotados pelo Juízo responsável a fim de garantir o sigilo legal? (…) Exatamente porque útil e necessária, e porque, como exposto na linha anterior, o artigo 206 da Lei 9.279/96 admite a revelação de segredos empresariais em Juízo para a defesa de interesse de quaisquer das partes, exigindo-se apenas o segredo de justiça e a vedação ao uso dos dados para outras finalidades, cabe salientar quais os parâmetros necessários à proteção legal.

 

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Aqui, valho-me, por oportuno, da bem lançada decisão proferida  nos  autos  da  reclamação  trabalhista 0000335-45.2020.5.09.0130 (5.ª Vara do Trabalho de São José dos Pinhais – TRT da 9.ª Região), proferida pelo Exm.º. Juiz do Trabalho Leonardo Vieira Wandelli, estudioso do assunto, recordando que a prova pericial sob comento deve ser adstrita ‘à análise das instruções, critérios e algoritmos inseridos no código-fonte do aplicativo utilizado’, inclusive no que se refere a ‘testes de metodologia, verificação de datasets, documentos de desenvolvimento do código-fonte e outros que a perícia encontrar necessários’.

Isso porque não há possibilidade de que seja proferida

decisão judicial segura sem a análise, por exemplo, das (a) regras de alocação, critérios de preferências e restrições na distribuição de chamados. No mesmo sentido os (b) critérios de influência sobre a relação de prestação de serviços da avaliação do motorista pelos clientes e a (c) existência de mecanismos de avaliação do motorista pela ré e seu impacto na relação de prestação de serviços. Segue a mesma linha de abordagem as (d) regras de fixação dos valores cobrados dos clientes, dos valores retidos pela impetrante e, por consequência, daqueles repassados aos motoristas, as (e) formas de indução, premiação, restrições ou sanções decorrentes do tempo que o motorista fica à disposição da plataforma e da aceitação e recusa dos chamados, e a (f) existência e eventual método de mecanismos de indução (nudges) da conduta do motorista, por meio de mensagens, premiações ou restrições. Também o (g) conteúdo das mensagens enviadas pelo aplicativo ao motorista, orientações, sugestões, advertências e em quais situações são disparadas, os (h) dados da atividade são controlados pela plataforma, tais como, entre outros, velocidade, número de frenagens, desvio da rota proposta pelo aplicativo, som ambiental, rastreamento por geolocalização, os (i) dados sobre o veículo, o motorista, a sua conduta, e sobre a viagem são solicitados aos passageiros, o (j) grau de acesso franqueado ao motorista quanto aos dados obtidos pela plataforma nas viagens realizadas, inclusive relativos aos clientes, e os (k) mecanismos e critérios para suspensão e/ou exclusão do acesso do motorista à plataforma etc.

Tornando ao i. Magistrado de São José dos Pinhais, ‘[…] são

esses os elementos que podem permitir [à d.

autoridade apontada como coatora] dilucidar o grau de controle da prestação de serviços do motorista pela [impetrante], a direção, controle e apropriação dos frutos da atividade

 

 

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econômica, a existência ou não de poder de direção, fiscalizatório e disciplinar sobre a prestação de serviços e/ou autonomia nesse tipo de trabalho […]’ Dados, vale repisar, fundamentais à discussão de fundo e estritamente documentados nos registros digitais.

E mais. Diante da instauração do segredo de justiça, não há qualquer dano à imagem e ao negócio da impetrante, considerando a restrição de acesso ao objeto periciado e as responsabilidades cíveis e criminais afetas a todos os envolvidos, decorrentes de possível violação do dever legal. O que, evidentemente, nem sequer se pode cogitar. Em que pese a descortesia da impetrante (um lampejo de deslize, ressalto e acredito, considerando o conjunto das argumentações), a questionar ‘se o real objetivo da perícia é a produção de uma prova relevante para a controvérsia ou se há um intuito de expor de forma absolutamente indevida sua marca e produto’, o que seria uma ‘postura condenável’ do terceiro interessado, como seu ‘pedido infundado e esdrúxulo, na tentativa de pressioná-la a um acordo’. Data venia, tais questionamentos devem ser encaminhados a outra esfera judicial.

Acrescente-se que decisões judiciais, que se valem apenas

do mundo performado nos autos, porque non quod est in actis non est in mundo (daí a necessidade de a prova técnica ser realizada), dos dados necessários obtidos na perícia, não ofendem a imagem social de quem quer que seja, porque, instaurado o respectivo segredo, não se expõem quaisquer dados privados à publicidade.

Não custa relembrar que o acesso direto ao código-fonte, aos documentos de seu desenvolvimento e a datasets é restrito à equipe pericial do Juízo, de forma reservada, que deve trasladar ao laudo apenas as informações pertinentes ao objeto a ser esclarecido. Segundo BARBOSA, Denis Borges, in O que um perito precisa saber de direito num caso de violação de patentes (artigo citado pelo i. Juiz Leonardo Vi e i ra Wande l l i e di sponí v e l em: http://denisbarbosa.addr.com/paginas/200/propriedade.html – acesso em: 17 out. 20), ‘[…] obviamente, não poderão ser admitidos às diligências de busca e apreensão ou pré-constituição de provas, de caráter invasivo, a parte autora, seus técnicos, empregados, diretores etc., que não os adstritos pelos compromissos de sigilo e resguardo, impostos, aliás, pelo artigo 206 da Lei 9.279/96.

O perito que, sem tal resguardo, permita o acesso,

certamente enfrentará a responsabilidade, com seu patrimônio, pela eventual violação do segredo […]’ Concluí, assim, que os parâmetros acima expostos além de responderem à pergunta

 

 

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que intitula o plano 3, corroboram as respostas dadas aos dois primeiros.

A impetrante ainda alega que os algoritmos que utiliza não lhe pertencem, porque propriedade de terceiros, empresa sediada fora do território nacional, onde localizado o servidor em que armazenados.

Nesse passo, além de suscitar a ‘incompetência’ ou ausência de jurisdição, reafirma a impossibilidade da realização da prova técnica.

Nota-se, no entanto, que ao conduzir a perícia, é o Juízo natural que deve definir a forma procedimental que a lei exigir, inclusive, e acaso entende necessário, com expedição de cartas rogatórias. E isso sem levar em conta a desnecessidade de acesso físico aos servidores nos quais hospedados os registros a serem analisados, devendo-se fornecer exclusivamente ao perito do Juízo senha de acesso remoto ao código-fonte, documentos de desenvolvimento destes e datasets.

Em conclusão, e sem querer adentrar o mérito em razão dos restritos limites verticais e horizontais desta ação mandamental, entendo que é do Juízo diretor do processo originário a análise a respeito do grau de necessidade das informações. E se a ele insuficientes, não há como tolher a decisão fundamentada pela necessidade de produção da prova pericial. (…)’

O princípio constitucional da livre iniciativa (art. 170, caput, da CR) não é uma cláusula absoluta. Oportuna a transcrição de excerto do v. acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, da lavra do Exmo. Ministro César Peluso, que bem esclarece o alcance do mencionado princípio:

‘CALIXTO SALOMÃO FILHO, referindo-se à doutrina do eminente Min. EROS GRAU, adverte que ‘livre iniciativa não é sinônimo de liberdade econômica absoluta (…). O que ocorre é que o princípio da livre iniciativa, inserido no caput do art. 170 da Constituição Federal, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo. Esses princípios claramente definem a liberdade de iniciativa não como uma liberdade anárquica, porém social, e que pode, consequentemente, ser limitada’.’(STF, Tribunal Pleno, MC-AC 1.657, Redator: Ministro Cezar Peluso, DJe n.º 092, divulgado em 30/08/2007, publicado em 31/08/2007) (destaques do original)

Casso a r. decisão liminar id 48568cd (fls. 1662 a 1679) e denego a segurança.”

 

 

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Em suas razões recursais, a recorrente pugna pela reforma do acórdão regional e pela concessão da segurança. Sustenta, em suma, que a determinação da perícia implica iminente risco de danos irreparáveis ao segredo empresarial da empresa, sendo medida desproporcional e inócua ao fim colimado, principalmente porque a relação de emprego pode ser provada por outros elementos probatórios, como documentos, depoimentos pessoais e testemunhas.

Ao exame.

De acordo com o que se extrai dos autos, o litisconsorte passivo formulou pedido para realização de perícia técnica no algoritmo do aplicativo utilizado pela impetrante, para o fim de identificar “as condições em que se dava a distribuição das chamadas, a definição de valores a serem cobrados e a serem repassados, a existência de restrições ou preferências no acesso e na distribuição de chamados em decorrência da avaliação e da aceitação ou frequência de realização de corridas, bem como o conteúdo das comunicações entre a ré o motoristas”.

A pretensão foi deferida em decisão indicada nestes autos como Ato Coator, assim redigida:

“Vistos etc

O art. 765 da CLT possibilita ao Juiz do Trabalho determinar qualquer diligência processual para formar seu convencimento em busca da verdade. Como se vê, no processo do trabalho, o magistrado não é um mero expectador, mas cooperador e fiscal do curso processual, devendo zelar pelo esclarecimento dos fatos. Por isso, lhe é permitido, inclusive, ex officio, exercer amplos poderes instrutórios.

Constitui, ademais, prerrogativa do juiz ordenar que a parte, ou mesmo terceiro, exiba documento ou coisa que se ache em seu poder (art. 396, CPC

/2015). Tal poder decorre do dispositivo segundo o qual ‘ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade’ (art. 378, CPC /2015).

No caso dos autos, a definição da natureza da relação travada entre as partes depende, essencialmente, da existência ou não do elemento fático-jurídico da subordinação. Portanto, qualquer definição referente a existência ou não de relação de emprego passa, necessariamente pela verificação e exame das formas de gestão algorítma.

Cabe verificar, nesse gerenciamento algorítmico a existência de automação de atividades anteriormente atribuídas a prepostos, supervisores e gestores de mão de obra, como se dá a distribuição de demandas e ofertas, como é e se é fixado valor de remuneração, se há indicação de tempo para realização de cada corrida, existências de estabelecimentos de padrões

 

 

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mínimos de qualidade dentre tantos outros aspectos existentes no algoritmo. Enfim, todos os aspectos e regras que tipificariam a natureza real da relação.

Nesse cenário se faz imprescindível a realização de perícia técnica no algoritmo utilizado pela empresa e nos documentos de desenvolvimento do seu código fonte. É que a partir da análise destes seria possível identificar como a plataforma se comporta diante das diversas circunstâncias que foram previstas em seu modelo de negócio e como é estruturada a relação empresa de plataforma e aquele que disponibiliza sua força de trabalho, contratante, ou prestador de serviços.

A leitura e sistematização desses dados subsidiará o exame da presença dos elementos caracterizadores ou não da relação de emprego porque trará à tona como o aplicativo foi programado para pensar e como foi escrito. E, a partir daí, poderão ser verificados quais dados são coletados e como é feita a supervisão do trabalho, elucidando-se assim o contexto em que se dá a relação de labor que é quase inteiramente intermediado pela plataforma. Estamos diante de um feixe de circunstâncias que implicam em uma ‘zona grizes’. Existem duas narrativas em disputa: uma que entende que essa gestão algorítma funda o poder diretivo empresarial e implica clara subordinação jurídica, e outra que entende essa gestão por algorítmicos como mera intermediação entre passageiros.

Importante pontuar também que a prova pericial digital no sistema da

plataforma é indispensável porque visa evidenciar a realidade operacional do trabalho em relação ao que supostamente eram regras, regulamentos e possibilidades abstratas. Não se pode abrir mão de informações depositadas em instrumento tecnológico que contém registros integrais e rigorosos, substituindo-se essa poderosa ferramenta por meios de prova outros incapazes de traduzir toda a realidade da relação entre as partes.

No mundo moderno digital e nas relações de trabalho plataformizadas, o princípio da realidade sobre a forma recebe uma atualização necessária, passando a ser percebido como a primazia da realidade-virtual algoritmizada.

Ao dirimir controvérsias que decorram dessas novas relações de trabalho, deve o magistrado se atentar à prevalência do sistema, do aplicativo, enfim, do algoritmo sobre disposições abstratas contratuais, como a autonomia quanto ao tempo de utilização do aplicativo ou o horário de trabalho.

Nesse contexto, a prova testemunhal que versaria sobre a existência ou não de elementos fáticos-jurídicos da subordinação e da não eventualidade se revela analógica porque não consegue captar a realidade virtual que emerge do universo plataformizado. É inservível para comprovar a gestão algoritmizada, considerando se tratar de perspectivas apenas subjetivas, e não os aspectos objetivos e quantificáveis, traduzidos em números, próprias da gestão computacional. Estamos na seara do Direito à Prova e da Inafastabilidade da Jurisdição (CRFB, art. 5, XXXV, LV e LVI e ainda do Devido

 

 

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Processo Legal e da Paridade de Armas que deve nortear a relação entre as partes do processo.

Desvelar o algoritmo é a única forma de entender como funciona essa gestão e qual a sua natureza. A prova testemunhal é inócua nesses casos porque não é capaz de traduzir a realidade em sua complexa integralidade.

Só mediante as informações extraídas da perícia digital tem o Juízo natural condições de aferir a veracidade das narrativas desenvolvidas pelas partes, e entender efetivamente como se operava a prestação de serviços.

A prova testemunhal é analógica e, portanto, incapaz de apreensão de uma complexa realidade digital. O que está em questão são novos paradigmas. Estamos diante de uma outra dimensão epistemológica. As novas operações de negócios escapam aos modelos mentais existentes, e desafiam as expectativas convencionais e, portanto, a jurisidição (sic) deve fazer um esforço para ser contemporânea ao seu tempo histórico e responder às necessidades sociais dos jurisdicionados (Autores e Réus) que buscam respostas do Estado-juiz diante das inovações tecnológicos.

No que se refere ao segredo industrial em torno do algoritmo, o sistema brasileiro autoriza o Juiz a ‘determinar que sejam realizados por meio eletrônico a exibição e o envio de dados e de documentos necessários à instrução do processo’ (art.13 da Lei 11.419/2006).

Essa permissão completa-se com o disposto no parágrafo 1.º, segundo o qual ‘consideram-se cadastros públicos, para os efeitos deste artigo, dentre outros existentes ou que venham a ser criados, ainda que mantidos por concessionárias de serviço público ou empresas privadas, os que contenham informações indispensáveis ao exercício da função judicante.’ Por sua vez, o §

2.º do citado artigo limita o acesso por qualquer meio tecnológico disponível, preferentemente o de menor custo, considerada sua eficiência. Na mesma toada, o § 2.º do artigo 42 da lei geral de proteção dos dados (Lei 13.709/19) ao admitir a inversão do ônus da prova a favor do titular dos dados sempre que resultar excessivamente onerosa a prova. E ainda que o objeto da perícia neste caso concreto não seja a coleta e o tratamento de dados pessoais, é assegurado expresso tratamento desses mesmos dados pessoais pelo artigo 11, I, ‘d’, da referida lei de proteção.

Não se está aqui ignorando a proteção do segredo de negócios regulada pelas Leis 9.279/96 e 13.709/19, considerando que estas mesmas normatizações permitem e estabelecem os critérios para a quebra dessa mesma proteção, observada a pertinência sobre o binômio da necessidade e proporcionalidade.

O inciso VI do artigo 6.º da Lei 13.709/19, ao mesmo tempo em que prevê os princípios da transparência e da accountability e prestação de contas, também assegura, em diversos artigos, a proteção do segredo de negócios.

No entanto, isso não significa blindagem jurídica das empresas em relação ao Judiciário. A solução para este imbróglio é a revelação de segredos empresariais em Juízo, em casos de utilidade e necessidade da prova,

 

 

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mediante a imposição de segredo de justiça ao processo e a vedação ao uso dos dados para outras finalidades.

Nesse sentido é o preceituado pelo artigo 206 da Lei 9.270/96 ao dispor que na ‘hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça’.

Não há dúvida de que o respeito ao segredo de empresa, à proteção a patentes e à propriedade intelectual são direitos fundamentais da reclamada. Porém, no caso dos autos, este direito cede frente ao interesse social público subjacente à discussão de fundo quanto a gênese da relação entre motoristas, aplicativos e clientes.

Esse, aliás, é o resultado dado pela aplicação da metodologia da teoria da argumentação jurídica denominada derrotabilidade (defeasibility). Do confronto entre o princípio da livre iniciativa concretizado no direito à proteção a patentes e à propriedade intelectual e os princípios do respeito ao valor- trabalho, se sobressai este último a ponto de atuar como fator limitador ao segredo da empresa. Note-se que a dimensão trabalho constitui dimensão ontológica organizadora da sociabilidade.

Por esta razão, a regra que permite, em situações de normalidade, o respeito ao segredo do negócio sofre, no caso concreto, efeito excepcional, não sendo garantido o sigilo de forma ampla e absoluta, dada sua derrotabilidade factual, ao ‘direito à explicação’ em torno dos algoritmos, considerando que tais informações são imprescindíveis para a avaliação da gestão do trabalho e, consequentemente, de aspecto essencial para a definição da real natureza jurídica da relação travada entre as partes.

Acerca da pertinência da prova pericial em caso semelhante, decidiu a Seção Especializada em Dissídios Individuais (Subseção II) do Tribunal Regional do Trabalho da 1.ª Região endossando brilhante decisão da desembargadora Raquel de Oliveira Maciel:

MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO REGIMENTAL. PLATAFORMA DIGITAL. VÍNCULO DE EMPREGO. PERÍCIA EM DADOS DE ALGORITMO.

NECESSIDADE, POSSIBILIDADE E LIMITES. JUIZ NATURAL. INDEPENDÊNCIA. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO FUNDANTE. TRANSCENDÊNCIA DO CASO, PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA

E CONTENÇÃO À LITIGIOSIDADE. Se a própria plataforma digital impetrante afirma que a prova documental e/ou oral disponível nos autos originários não é suficiente à configuração do vínculo de emprego cuja declaração se pretende, e se, a partir daí, o juiz natural do caso, diretor do processo, percebe fundamentadamente a necessidade de outros elementos instrutórios para a prestação da tutela jurisdicional a mais justa possível, nada impede que seja determinada a realização de

 

 

 

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perícia técnica dos dados do algoritmo utilizado na atividade empresarial, desde que, como se dá no caso concreto, refira-se à investigação devidamente parametrizada à luz dos fundamentos expostos nos artigos 2.º e 6.º, VI, da Lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados). Em homenagem ao princípio democrático fundante da atuação e independência da magistratura, não se pode tolher prova tida por necessária pelo juiz natural do caso, quando este resguarda devida e cuidadosamente os interesses de ambas as partes, conciliando, mediante segredo de justiça, a proteção do dado objeto da prova técnica com o caráter social do direito do trabalho. Se não prescindível para análise dos elementos fáticos que sustentam o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego nos autos originários, a decisão que determina a realização de perícia técnica em dados de algoritmos utilizados na atividade empresarial sem que esses sejam expostos publicamente, não só não viola direito líquido e certo de quem quer que seja, como estimula a aplicação do novel instituto da produção antecipada de prova como procedimento autônomo (discovery à brasileira), na forma do artigo 381 do Código de Processo Civil de 2015, qualificada pelo caráter transcendente do caso, ante a reiterada manifestação da impetrante e de empresas similares em numerosos processos judiciais individualizados com origem comum, configurando, assim, importante instrumento jurídico de contenção à litigiosidade, e, portanto, eficiente mecanismo de fortalecimento de sociabilidade democrática.

EXAURIMENTO DA JURISDIÇÃO. CONSEQUÊNCIAS.

Mantidos os fundamentos adotados na r. decisão Agravada, porque não impugnados com argumentos outros que não a simples negação à interpretação adotada, não há como se acolher o agravo interposto. E, cumpridas todas as fases do procedimento cabível, com a prestação de informações pela d. autoridade coatora, manifestação do d. Ministério Público do Trabalho, e ciência e/ou manifestação das partes, inclusive do terceiro interessado, tem-se por exaurida a jurisdição no caso concreto. Segurança denegada.

Prejudicado  o  agravo  regimental.  (Acórdão 0103519-41.2020.5.01.0000  –  DEJT  2021-04-30  -Data  do

Julgamento: 2021-04-22 – Órgão Julgador: SEDI-2- Tipo de Processo: Mandado de Segurança Cível – Relatora: RAQUEL DE OLIVEIRA MACIEL)

Por todo exposto, determina-se a realização de perícia por profissional técnico em T.I., nomeando-se o Dr. Edré Quintão Moreira, a fim de ter acesso ao algoritmo do aplicativo utilizado pela ré identificando as condições em que se dava a distribuição de chamadas, a definição de valores a serem cobrados

 

 

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e a serem repassados, a existência de restrições ou preferências no acesso e na distribuição de chamados em decorrência da avaliação e da aceitação ou frequência de realização de corridas, bem como o conteúdo das comunicações entre a ré e motoristas. Determino que as informações que serão transladadas no laudo estejam restritas à forma de gestão da atuação dos motoristas pelo aplicativo.

Em razão do acesso a informações sensíveis do ponto de vista empresarial, determina-se que o processo passe a tramitar em segredo de justiça nos termos do art. 206 da Lei 9.270/96.

As partes deverão apresentar seus quesitos no prazo de 10 dias assim como indicar assistentes técnicos.

Após, a quesitação das partes, os autos deverão vir conclusos para eventuais quesitos suplementares do Juízo.

O perito deverá designar data para realizar a diligência presencial, caso necessária, devendo apresentar o laudo no prazo de 30 dias subsequentes.

Intimem-se as partes e o perito.”

 

Entendo que a análise perfunctória dos elementos dos autos induz a concluir pela reforma do acórdão recorrido.

Com efeito, o deferimento da prova pericial no algoritmo da empresa pode, no caso, revelar-se absolutamente desproporcional e, quiçá, irreversível. Não é crível que empresas de tecnologia, como da espécie,

devam expor e revelar informações secretas que possam comprometer a competitividade no mercado em que atuam.

De fato, a perícia técnica nos algoritmos da empresa torna vulnerável a propriedade intelectual e industrial no que toca aos pontos de atuação e à identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

A existência de dúvida quanto à extensão e ao alcance do que pode ser extraído da realização da prova pericial, a ser produzida no campo do patrimônio intelectual da empresa, é o quanto basta para robustecer a percepção do fumus boni iuris e do periculum in mora.

Essa preocupação tem sido observada em decisões monocráticas da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, como se vê dos seguintes precedentes:

“Trata-se de Correição Parcial, com pedido de liminar, apresentada por UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.; UBER INTERNATIONAL B.V.; e UBER

INTERNATIONAL HOLDING B.V. (fls. 2/19), em face da decisão proferida pelo Desembargador RICARDO BRUEL DA SILVEIRA, do Tribunal Regional do Trabalho da 9.ª Região (fl. 1610), que, ao admitir o agravo interposto à decisão

 

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que indeferiu a liminar requerida nos autos do Mandado de Segurança n.º 0005259-96.2023.5.09.0000, – impetrado pelas referidas empresas contra a determinação de realização perícia computacional, nos autos da Ação Trabalhista n.º 0000263-56.2022.5.09.0011, na qual Bruno da Cruz Paulo postulou o reconhecimento do vínculo empregatício, na condição de motorista – indeferiu o pedido de efeito suspensivo.

(…)

Ora, consoante os termos do caput do art. 13 do RICGJT, ‘a Correição Parcial é cabível para corrigir erros, abusos e atos contrários à boa ordem processual e que importem em atentado a fórmulas legais de processo, quando para o caso não haja recurso ou outro meio processual específico’ (grifos apostos).

Por sua vez, nos termos do parágrafo único do referido dispositivo, ‘em situação extrema ou excepcional, poderá o Corregedor-Geral adotar as medidas necessárias a impedir lesão de difícil reparação, assegurando, dessa forma, eventual resultado útil do processo, até que ocorra o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente’.

Como se observa, trata-se de medida excepcional, sendo cabível quando, para o caso em análise, não haja recurso, ou outro meio processual específico, de modo a corrigir erros, abusos e atos contrários à boa ordem processual e que importem em atentado a fórmulas legais do processo, sendo que, em situação extrema ou excepcional, poder-se-ão adotar medidas que impeçam lesão de difícil reparação, o que ocorre no caso em tela.

Com efeito.

Embora o art. 765 da CLT possibilite aos Juízes e Tribunais determinar as diligências que entenderem necessárias ao esclarecimento da lide, tendo ‘ampla liberdade na direção do processo’, e, ainda, ‘determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento’ da causa, não se pode olvidar que a perícia determinada nos autos da ação trabalhista pode resultar em prejuízos imensuráveis ao negócio das Corrigentes, tendo em vista a exposição de seu segredo empresarial.

De fato, a perícia computacional torna vulneráveis propriedades intelectuais e industriais, ou seja, o ‘segredo do negócio’, de modo que o acesso ao algoritmo das Requerentes propaga a plataforma de informática no concernente aos pontos de atuação e à identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

Ademais, consoante preconizado pelo art. 206 da Lei n.º 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual, ‘na hipótese de serem reveladas, em juízo, para a defesa dos interesses de qualquer das partes, informações que se caracterizem como confidenciais, sejam segredo de indústria ou de comércio, deverá o juiz determinar que o processo prossiga em segredo de justiça, vedado o uso de tais informações também à outra parte para outras finalidades’.

 

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Há de se ressaltar, por oportuno, que a decisão monocrática, ora corrigenda, no tocante ao pedido de efeito suspensivo, é dotada de caráter precário, já que sua subsistência perdura até o julgamento do processo principal, sendo portanto irrecorrível.

Logo, tem-se que a pretensão de urgência se mostra clara e objetivamente justificada, mormente porque o deferimento de produção de prova técnica com acesso aos algoritmos das Corrigentes, a fim de evidenciar a configuração de vínculo de emprego de um trabalhador, caracteriza situação extrema e excepcional e com aptidão para produzir lesão de difícil reparação, razão pela qual se impõe o deferimento da liminar.

No mesmo sentido, já se posicionou a Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho, na esteira do seguinte precedente, in verbis:

‘Dito isso, infere-se da decisão corrigenda que a Autoridade Requerida, nos autos do Mandado de Segurança n.º 0006912-05.2022.5.15.0000, indeferiu a petição inicial do mandamus impetrado pela ora Requerente, extinguindo o feito, sem resolução do mérito, mantendo, com isso, a decisão de primeiro grau, proferida nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 0010945-34.2021.5.15.0045, na qual se determinou a realização de perícia no algoritmo da plataforma utilizada pela Requerente. O mencionado decisum foi proferido nos seguintes termos:

(…)

No caso em exame, a presente medida não se viabiliza com fundamento no artigo 13, caput, RICGJT, uma vez que contra a decisão corrigenda cabe recurso próprio, qual seja, Agravo Regimental, o qual foi interposto pela parte requerente, consoante se verifica às fls. 85/111 (numeração arquivo PDF).

Quanto ao cabimento da Correição Parcial com suporte no artigo 13, parágrafo único, do RICGJT, constata-se que a parte requerente, na sua petição inicial, consegue comprovar os requisitos previstos no mencionado preceito, apto a atrair a intervenção acautelatória desta Corregedoria-Geral, como se discorrerá a seguir.

Sem adentrar no exame do mérito da decisão reclamada, é de sabença que o direito processual de a parte de produzir prova circunscreve-se à demonstração das suas alegações, não lhe sendo permitido acesso a informações sigilosas ou privadas que não sejam necessárias à demonstração do direito invocado.

Compulsando os autos, constata-se que o Terceiro Interessado pretendeu prova pericial para a demonstração do vínculo de emprego.

Extrai-se que a ação mandamental foi considerada incabível, sob o fundamento de que ‘O ato atacado constitui decisão interlocutória que não gera qualquer prejuízo imediato à

 

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parte impetrante, com efeitos apenas endoprocessuais e que poderá ser discutida, com ampla devolutividade, por meio de recurso ordinário’.

Ressalte-se, contudo, que acesso ao algoritmo, mesmo que restrito às partes do processo possui grande repercussão, uma vez que se trata da revelação de toda a plataforma de informática, inclusive com relação a pontos de atuação e os locais de ponto, bem como a identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

Saliente-se que o Terceiro Interessado não possui legitimidade para postular a exibição da dinâmica comercial e de trabalho da Requerente de forma genérica, sendo certo que os princípios do devido processo legal e o princípio do contraditório e ampla defesa lhe asseguram apenas a demonstração dos fatos pertinentes à sua relação jurídica com a Requerente, vedada a pretensão de acesso a informações inerentes ao sigilo do negócio, informações essas de que também não dispunha quando da relação de trabalho.

Oportuno registrar que o art. 195, XI e XII, da Lei n.º 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), ao definir como crime a divulgação, a exploração ou a utilização, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, revela que o ordenamento jurídico protege os chamados ‘trade secrets’, situação que ganha relevo na atualidade em que se proliferam plataformas digitais que disponibilizam serviços em cujo algoritmo repousa sua nota diferencial concorrencial, razão pela qual consistem em dados sigilosos que não se mantêm intactos apenas com a atribuição do segredo de justiça.

Dessa forma, o deferimento de produção de prova técnica com acesso ao algoritmo da Requerente para a demonstração de vínculo de emprego específico de um trabalhador configura situação extrema e excepcional e com aptidão para produzir lesão de difícil reparação, razão pela qual se impõe o deferimento da liminar com amparo no art. 13, parágrafo único, do Regimento Interno da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

Ressalte-se que, em casos semelhantes à dos autos, esta Corregedoria-Geral deferiu liminar com vistas à suspensão de perícia no algoritmo de plataformas digitais, consoante se constata nos seguintes processos de Correição Parcial: 1001522-88.2021.5.00.0000;                                                            1000822-15.2021.5.00.0000;

1000215-02.2021.5.00.0000; e 1001652-15.2020.5.00.0000.

Ante ao exposto, DEFIRO a liminar requerida para conceder efeito suspensivo ao Agravo Regimental interposto contra a

 

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decisão proferida no Mandado de Segurança n.º 0006912-05.2022.5.15.0000, com a consequente suspensão da perícia computacional, designada nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 0010945-34.2021.5.15.0045, até que ocorra o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente.’ (CorPar-1000599-28.2022.5.00.0000, Min. Guilherme Augusto Caputo Bastos, Publ. 15/8/2022).

Por todo o exposto, com alicerce no parágrafo único do art. 13 do RICGJT, defiro a liminar requerida para conceder efeito suspensivo ao Agravo Regimental interposto à decisão que indeferiu o pedido de concessão de liminar nos autos do Mandado de Segurança n.º 0005259-96.2023.5.09.0000, com a consequente suspensão da determinação prolatada no processo ATOrd-0000263-56.2022.5.09.0011, relativa à realização de prova pericial no algoritmo do aplicativo das empresas, ora Corrigentes, até que sobrevenha o exame da matéria pelo órgão jurisdicional competente para o julgamento do Mandamus.

Determino que se dê ciência, de imediato, do inteiro teor desta decisão

(1) às Requerentes; (2) ao requerido, Desembargador RICARDO BRUEL DA SILVEIRA, do Tribunal Regional do Trabalho da 9’.ª Região; (3) ao terceiro interessado; e (4) ao Juízo de primeiro grau.

Determino, ainda, que as publicações e intimações das Corrigentes sejam dirigidas ao Dr. LUIZ AFRÂNIO ARAÚJO, OAB/RS n.º 58.477, conforme requerido na inicial.

Determino, por fim, que seja noticiado, nestes autos, o julgamento do Agravo Interno em liça.” (CorPar-1000417-08.2023.5.00.0000, DEJT 13/6/2023, Decisão da lavra da Ministra Dora Maria da Costa, Corregedora-Geral da Justiça do Trabalho)

“Trata-se de Correição Parcial apresentada por 99 TECNOLOGIA LTDA. (fls. 2/31), em face da decisão proferida pelo TRIBUNAL PLENO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 17.ª REGIÃO que, nos autos do Agravo Regimental  em  Mandado  de  Segurança  processo  n.º 0000665-51.2022.5.17.0000, deu provimento ao recurso para restabelecer a decisão que determinara a realização de perícia algorítmica nos autos da Reclamatória Trabalhista n.º 0000865-53.2021.5.17.0013 e, de ofício, determinou a inserção de segredo de Justiça ao processo (fls. 1.868/1.874).

(…)

Ocorre que a perícia técnica dos algoritmos torna vulneráveis propriedades intelectuais e industriais, ou seja, o ‘segredo do negócio’, de modo que o acesso ao algoritmo da 99 propaga a plataforma de informática no que concerne aos pontos de atuação e à identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

Logo, tem-se que a pretensão de urgência se mostra clara e objetivamente justificada, mormente porque o deferimento de produção de

 

 

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prova técnica com acesso ao algoritmo da Corrigente, a fim de evidenciar a configuração de vínculo de emprego de um trabalhador, caracteriza situação extrema e excepcional e com aptidão para produzir lesão de difícil reparação, razão pela qual se impõe o deferimento da liminar.

Nessa linha, inclusive, já me posicionei em caso análogo, no qual concedi efeito suspensivo ao Agravo Regimental interposto à decisão que deferiu parcialmente a liminar pretendida nos autos do Mandado de Segurança apenas para determinar que a prova técnica fosse realizada mediante segredo de Justiça, ocasião em que determinei a suspensão dos efeitos da decisão que determinara a realização de prova pericial no algoritmo do aplicativo da reclamada: CorPar-1000242-14.2023.5.00.0000, DJE de 12/4/2023.

Por todo o exposto, com alicerce no parágrafo único do art. 13 do RICGJT, defiro a liminar requerida para suspender qualquer efeito do acórdão prolatado na fase processual de Agravo Regimental em Mandado de Segurança, processo n.º 0000665-51.2022.5.17.0000, até que sobrevenha o julgamento definitivo da questão no mandamus em liça.

Determino que se dê ciência, de imediato, do inteiro teor desta decisão

(1) à Requerente; (2) ao Tribunal Requerido, na pessoa da Desembargadora Ana Paula Tauceda Branco; (3) ao Terceiro Interessado; e (4) ao Juízo de primeiro grau.

Determino, ainda, que seja noticiado, nos presente autos, o julgamento do Mandado de Segurança em liça.” (CorPar-1000315-83.2023.5.00.0000, DEJT 9/5/2023, Decisão da lavra da Ministra Dora Maria da Costa, Corregedora-Geral da Justiça do Trabalho.)

“(…)

Compulsando os autos, constata-se que o Terceiro Interessado pretendeu prova pericial para a demonstração do vínculo de emprego.

Extrai-se que a ação mandamental foi considerada incabível, sob o fundamento de que ‘O ato atacado constitui decisão interlocutória que não gera qualquer prejuízo imediato à parte impetrante, com efeitos apenas endoprocessuais e que poderá ser discutida, com ampla devolutividade, por meio de recurso ordinário’.

Ressalte-se, contudo, que acesso ao algoritmo, mesmo que restrito às partes do processo possui grande repercussão, uma vez que se trata da revelação de toda a plataforma de informática, inclusive com relação a pontos de atuação e os locais de ponto, bem como a identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

Saliente-se que o Terceiro Interessado não possui legitimidade para postular a exibição da dinâmica comercial e de trabalho da Requerente de forma genérica, sendo certo que os princípios do devido processo legal e o princípio do contraditório e ampla defesa lhe asseguram apenas a demonstração dos fatos pertinentes à sua relação jurídica com a Requerente,

 

 

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vedada a pretensão de acesso a informações inerentes ao sigilo do negócio, informações essas de que também não dispunha quando da relação de trabalho.

Oportuno registrar que o art. 195, XI e XII, da Lei n.º 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), ao definir como crime a divulgação, a exploração ou a utilização, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, revela que o ordenamento jurídico protege os chamados ‘trade secrets’, situação que ganha relevo na atualidade em que se proliferam plataformas digitais que disponibilizam serviços em cujo algoritmo repousa sua nota diferencial concorrencial, razão pela qual consistem em dados sigilosos que não se mantêm intactos apenas com a atribuição do segredo de justiça.

Dessa forma, o deferimento de produção de prova técnica com acesso ao algoritmo da Requerente para a demonstração de vínculo de emprego específico de um trabalhador configura situação extrema e excepcional e com aptidão para produzir lesão de difícil reparação, razão pela qual se impõe o deferimento da liminar com amparo no art. 13, parágrafo único, do Regimento Interno da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

Ressalte-se que, em casos semelhantes à dos autos, esta Corregedoria-Geral deferiu liminar com vistas à suspensão de perícia no algoritmo de plataformas digitais, consoante se constata nos seguintes processos de Correição Parcial: 1001522-88.2021.5.00.0000; 1000822-15.2021.5.00.0000;                                                            1000215-02.2021.5.00.0000;                 e

1001652-15.2020.5.00.0000.

Ante ao exposto, DEFIRO a liminar requerida para conceder efeito suspensivo ao Agravo Regimental interposto contra a decisão proferida no Mandado de Segurança n.º 0006912-05.2022.5.15.0000, com a consequente suspensão da perícia computacional, designada nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 0010945-34.2021.5.15.0045, até que ocorra o exame da matéria      pelo     órgão                          jurisdicional competente.” (CorPar-1000599-28.2022.5.00.0000, DJE 18/8/2022, Decisão da lavra do Minsitro Guilherme Augusto Caputo Bastos, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho.)

Há, igualmente, decisões monocráticas lavradas no âmbito da

SBDI-II, in verbis:

 

“Trata-se de recurso ordinário interposto por 99 TAXIS DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARES LTDA. em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho em agravo interno contra a decisão monocrática que indeferiu liminarmente a petição inicial da ação mandamental (p. 1171-1177).

(…)

 

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Assiste-lhe razão.

Estabelece o art. 369 do CPC que as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz.

Especificamente acerca da prova pericial, nos termos do art. 464, § 1.º, do CPC, o indeferimento deve ocorrer quando: I – a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico; II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas; ou III – a verificação for impraticável.

No caso, verifica-se dos documentos carreados aos autos que o litisconsorte pretendeu a prova pericial, por meio do acesso ao algoritmo do aplicativo de mobilidade, para a demonstração do vínculo de emprego e a consequente condenação da impetrante ao pagamento das parcelas trabalhistas.

Ocorre que, na contestação, a impetrante não negou a prestação do serviço, tendo se insurgido apenas contra ao reconhecimento da natureza empregatícia da relação jurídica existente.

Nesse contexto, reconhecida a prestação de serviços pela empresa, incumbe a ela o encargo de comprovar os fatos impeditivos ao reconhecimento da relação de emprego, decorrendo daí a ausência de necessidade da produção de prova pericial com acesso ao algoritmo da plataforma digital da requerente.

Se não bastasse, o deferimento da produção da prova pericial com o acesso ao algoritmo, ainda que sob proteção do segredo de justiça, configura situação extrema que possui o condão de produzir lesão de difícil reparação, na medida em que resultaria, em última análise, a permissão de acesso, dentre outros, a pontos de atuação e à identificação das correlações de dados de inteligência utilizados pela empresa.

Nesse sentido, decidiu o Ministro Aloysio Correia da Veiga, nos autos da CorPar n.º 1001223-14.2021.5.00.0000, ajuizada perante esta Corte Superior:

Outrossim, cumpre destacar que o art. 195, XI e XII, da Lei n.º 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), ao definir como crime a divulgação, a exploração ou a utilização, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, revela que o ordenamento jurídico protege os chamados ‘trade secrets’, situação que ganha relevo na atualidade em que se proliferam plataformas digitais que disponibilizam serviços em cujo algoritmo repousa sua nota diferencial concorrencial, razão pela qual consistem em dados sigilosos que não se mantêm intactos apenas com a atribuição do segredo de justiça.

Na mesma linha, já decidiu esta SBDI-1I nos autos do ROT – 101900-08.2022.5.01.0000, relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT de 23/2/2023; da TutCautAnt-1000890-28.2022.5.00.0000, relator Ministro Evandro  Pereira  Valadão  Lopes  DEJT  de  4/11/2022;  e  da

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

TutCautAnt-1000825-67.2021.5.00.0000, relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT de 1.º/6/2021.

Nesse cenário, tem-se que o deferimento da prova pericial importou em inegável violação a direito líquido e certo da impetrante, mormente em razão dos riscos advindos da perícia técnica com acesso ao algoritmo do aplicativo de mobilidade para fim de reconhecimento do vínculo de emprego, impondo-se a concessão da segurança postulada.

Nesse sentido, a propósito, oficiou a ilustre Procuradoria-Geral do Trabalho, senão vejamos (p. 1356-1357):

Com o avanço tecnológico e o surgimento de aplicativos em variados ramos de prestação de serviços, tem sido recorrente o surgimento de demandas entre trabalhadores e as pessoas jurídicas responsáveis por tais plataformas a fim de se discutir a natureza jurídica da relação entre as partes. Assim, cada vez mais casos têm chegado ao C. Tribunal Superior do Trabalho, que já possui, atualmente, algumas decisões apreciando a questão de se determinar a realização de perícia nos sistemas de informação das

empresas responsáveis pelos aludidos aplicativos.

Em outras ocasiões, inclusive em ações envolvendo a Reclamada, 99 Tecnologia Ltda, o C. TST tem decido pela não realização da prova técnica, eis que, ainda que produzida sob a proteção do segredo de justiça, importaria acesso aos dados e a informações de natureza concorrencial (acobertados pelo  segredo  empresarial).  (decisão  monocrática  no  ROT  – 102710-17.2021.5.01.0000, Relatora Morgana de Almeida Richa, Publicação em 12/04/2023)

Nesse sentido, inclusive, decisão proferida pelo Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, nos autos da CorPar n.º 1001147-87.2021.5.00.0000: ‘ o art. 195, XI e XII, da Lei n.º 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), ao definir como crime a divulgação, a exploração ou a utilização, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, revela que o ordenamento jurídico protege os chamados trade secrets, situação que ganha relevo na atualidade em que se proliferam plataformas digitais que disponibilizam serviços em cujo algoritmo repousa sua nota diferencial concorrencial, razão pela qual consistem em dados sigilosos que não se mantêm intactos apenas com a atribuição do segredo de justiça ‘ – grifo nosso.

Percebe-se, portanto, que a Corte Trabalhista, em recentes decisões, tem considerado os riscos envolvendo o acesso ao algoritmo criptográfico de tais aplicativos no decorrer da realização da perícia. Além vir reputando desnecessário produzir tal espécie de prova para fins de reconhecimento de vínculo  de  emprego.  (decisão  monocrática  no  ROT  – 102710-17.2021.5.01.0000, Relatora Morgana de Almeida Richa, Publicação em 12/04/2023; decisão monocrática no ROT – ROT – 393-79.2022.5.09.0000, Relatora Morgana de Almeida Richa, Publicação em 27/02/2023; decisão

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

monocrática no ROT – 101900-08.2022.5.01.0000, Relatora Morgana de Almeida Richa, Publicação em 23/02/2023).

Pelo provimento, a fim de que seja concedida a segurança, cassando-se a decisão que deferiu a produção de perícia computacional no sistema da Recorrente.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para, concedendo a segurança postulada, cassar a decisão que deferiu a produção de prova pericial no sistema informático da impetrante.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, dou provimento ao recurso ordinário para, concedendo a segurança postulada, cassar a decisão que deferiu a produção de prova pericial   no   sistema   informático   da   impetrante.” (ROT-101394-32.2022.5.01.0000, Relator: Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 25/4/2023.)

“99 Tecnologia LTDA. impetrou mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato da Juíza da 71.ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, nos autos da reclamação trabalhista n.º 0100331-84.2021.5.01.0071, que deferiu a produção de prova pericial no ambiente informático da impetrante.

(…)

À análise.

Como já exposto na decisão monocrática de fls. 643/654, pela qual deferi a liminar requerida para, atribuindo efeito suspensivo ao recurso ordinário, determinar a suspensão da perícia técnica no ambiente informático da impetrante, as medidas deferidas em juízo devem observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, em evidente juízo de ponderação entre os direitos vindicados, ante o risco de causar prejuízos irreversíveis aos litigantes.

Portanto, reiterando os fundamentos então explicitados na decisão liminar, verifica-se que, a partir da leitura dos documentos carreados aos autos do mandado de segurança, especialmente da petição inicial da reclamação trabalhista n.º 0100331-84.2021.5.01.0071 (fls. 73/116), que o terceiro interessado, ora recorrido, objetiva, em síntese, a declaração de vínculo de emprego com a impetrante , bem como a condenação ao pagamento das parcelas trabalhistas daí decorrentes.

Prosseguindo no exame dos documentos contemporâneos à reclamação trabalhista subjacente, extrai-se que a Juíza do Trabalho, pelo despacho de fls. 126, além de determinar a citação da reclamada, ora impetrante, esclareceu que as partes deveriam, no prazo de quinze dias, indicar justificadamente as provas a serem produzidas.

O reclamante, pela petição de fls. 285/300, requereu, para efeito de comprovação dos requisitos inerentes ao vínculo de emprego, a produção de prova testemunhal, depoimento pessoal, bem como a perícia técnica em

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

ambiente informático da reclamada com acesso ao algoritmo da plataforma de mobilidade.

Especificamente quanto à perícia técnica, o reclamante asseverou que o acesso ao algoritmo da plataforma de mobilidade revelará ‘as condições em que se dava a distribuição de chamadas, a definição de valores a serem cobrados e a serem repassados, a existência de restrições ou preferências no acesso e na distribuição de chamados em decorrência da avaliação e da aceitação ou frequência de realização de corridas, bem como o conteúdo das comunicações entre a ré e motoristas’ (fl. 300), o que restou deferido pela Juíza do Trabalho da 71.ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, nos seguintes termos (fl. 68):

‘Defiro a produção de prova pericial requerido pelo autor. Nomeio o(a) perito(a) EDUARDUS DA SILVEIRA SILVARES.

Notifique-se o(a) perito(a) nomeado(a) para que diga, no prazo de 15 dias, se aceita o encargo. Em caso positivo, deverá estimar seus honorários periciais em igual prazo, ciente que receberá nos termos do artigo 790-B da CLT e nos limites do Ato n.º 88/2011 em caso de sucumbência do autor no objeto da perícia.

Paralelamente, notifique-se o Ministério Público para ciência desta ação.

RIO DE JANEIRO/RJ, 23 de junho de 2021. KIRIA SIMÕES GARCIA

Juíza do Trabalho Titular’

Contra essa decisão, a reclamada impetrou o mandado de segurança em exame, formulando, liminarmente, o pedido de suspensão da perícia computacional e, no mérito, a cassação do mencionado ato coator.

Como se vê, o pedido de prova pericial computacional, conforme formulado pelo reclamante, traduz o acesso ao algoritmo do aplicativo de mobilidade para fim de reconhecimento do vínculo de emprego. No entanto, a simples leitura da contestação então colacionada aos autos da ação trabalhista subjacente (fls. 147/190) revela que a reclamada não questiona a prestação de serviços, mas, apenas, a natureza jurídica dessa relação.

Desse modo, a reclamada atraiu para si o ônus da prova quanto à natureza jurídica da relação firmada entre as partes, realidade que, ao menos em cognição não exauriente, desqualifica a pretensão de acesso ao sistema informático da reclamada, cujo conteúdo envolve dados estatísticos, valores numéricos, códigos, localizações, percursos e pontos de relevância conectados por meio de algoritmo criptográfico para transformar, validar e propor melhores serviços.

Portanto, a realização de perícia técnica no ambiente informático da reclamada, ora recorrente, nos moldes em que requerida e deferida pelo Juízo da 71.ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, ainda que produzida sob a proteção do segredo de justiça, importaria acesso aos dados e às informações

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

de natureza concorrencial acobertados pela dinâmica do segredo empresarial.

Em relação ao sigilo dos dados no ambiente informático e à atribuição do segredo de justiça, o Ministro Aloysio Silva Corrêa da Veiga, nos autos da CorPar n.º 1001147-87.2021.5.00.0000, ajuizada nesta Corte Superior contra o mesmo ato coator, destacou que ‘ o art. 195, XI e XII, da Lei n.º 9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial), ao definir como crime a divulgação, a exploração ou a utilização, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, revela que o ordenamento jurídico protege os chamados trade secrets, situação que ganha relevo na atualidade em que se proliferam plataformas digitais que disponibilizam serviços em cujo algoritmo repousa sua nota diferencial concorrencial, razão pela qual consistem em dados sigilosos que não se mantêm intactos apenas com a atribuição do segredo de justiça ‘ . (destaquei)

Registre-se que, na ocasião, Sua Excelência deferiu o efeito suspensivo

ao agravo regimental então interposto para suspender o processamento da perícia designada nos autos da reclamação trabalhista subjacente, até exame da matéria pelo Tribunal Regional, o mesmo ocorrendo nas CorPars 1001223-14.2021.5.00.0000,                                                            1000215-02.2021.5.00.0000                  e

1000822-15.2021.5.00.0000.

Nesse sentir, considerando, em análise perfunctória, a desnecessidade de produção de prova pericial computacional, bem como os riscos decorrentes da tramitação regular da perícia técnica com acesso ao algoritmo criptográfico do aplicativo de mobilidade para fim de reconhecimento do vínculo de emprego, sobressai a conclusão, portanto, de que o ato coator impugnado violou direito líquido e certo da impetrante, razão pela qual merece reforma o acórdão regional.

À vista do exposto, dou provimento ao recurso ordinário da impetrante, para, concedendo a segurança, cassar a decisão que deferiu a produção de prova pericial no sistema informático da impetrante.

Transmita-se, com urgência, à Presidência do Eg. TRT da 1.ª Região e à Exma. Juíza Titular (ou a quem estiver no exercício da Titularidade) da 71.ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ o inteiro teor desta decisão. (…)” (ROT-102710-17.2021.5.01.0000, Relatora: Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 12/4/2023.)

“Vistos etc.

Cuida-se de requerimento de tutela cautelar de urgência, por meio do qual Uber do Brasil Tecnologia Ltda. pretende a concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto contra acórdão lavrado pelo TRT da 1.ª Região no julgamento do mandado de segurança n.º 0103519-41.2020.5.01.0000, em que denegada a ordem impetrada pela Requerente em face da determinação, exarada pelo Juízo da 80.ª Vara do

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

Trabalho do Rio de Janeiro-RJ na reclamação trabalhista n.º 0100531-98.2020.5.01.0080, de realização de perícia técnica no algoritmo utilizado no aplicativo da empresa, com o objetivo subsidiar o exame da presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego alegada por Carlos Cesar Gonçalves Ventura, ora Litisconsorte passivo.

Em sua petição, a Requerente narra que já se encontrava a preclusa a oportunidade para requerer a produção da prova pericial questionada, pois o Requerido já havia sido intimado para manifestação, tendo indicado especificamente as provas que pretendia produzir, sem aludir à necessidade da prova técnica.

Afirma que a prova pericial foi deferida em decisão desfundamentada, sem exame da necessidade, da proporcionalidade e da finalidade dessa prova, bem como da lesão que a medida causaria aos seus direitos. Sustenta que impetrou mandado de segurança, mas a Desembargadora relatora, a par de não suspender a realização da perícia, ‘deferiu’ parcialmente uma liminar em termos que não haviam sido postulados, estabelecendo parâmetros a serem observados pelo expert.

Relata ter interposto agravo interno, logrando, paralelamente, obter efeito suspensivo até o julgamento do recurso (Correição Parcial n.º 1001652-15.2020.5.00.0000), junto ao Ministro Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, mas o TRT da 1.ª Região, em momento posterior, denegou a segurança, reputando prejudicado o agravo.

Renova os argumentos articulados no mandado de segurança quanto à preclusão para o requerimento, à desfundamentação da decisão, à desnecessidade e ao não cabimento da prova técnica (art. 5.º, LXXVIII, da CF e 156 e 464, § 1.º, I e II, do CPC de 2015), bem como à violação de segredo empresarial e afronta à livre concorrência e liberdade de iniciativa caso permitida a realização da prova pericial.

Com vários outros argumentos, referindo-se inclusive à ausência de juntada de voto vencido ao acórdão de julgamento do mandado de segurança, pugna pela concessão de efeito suspensivo, com suspensão da eficácia da determinação de realização da perícia técnica no algoritmo, ao menos até o julgamento do recurso ordinário.

Dá à causa, ‘apenas para fins de alçada, a quantia de R$ 1.000,00’ (fl. 52). Assim resumida a espécie, passo ao exame do pleito de concessão de efeito suspensivo ao recurso ordinário interposto no mandado de segurança,

já admitido na Corte de origem (fl. 234).

Em primeiro plano, registro que, sob a perspectiva do CPC de 2015, não mais subsiste o processo cautelar autônomo (CPC, art. 301), devendo os litigantes deduzir suas pretensões por meio de simples petição, em caráter antecedente (art. 305) ou incidental (arts. 294 e 295).

A hipótese examinada trata de tutela provisória de urgência requerida em caráter incidental, na medida em que a Requerente pretende a concessão

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

de efeito suspensivo a recurso ordinário interposto nos autos do mandado de segurança.

Logo, não se cuidando de novo processo, não se mostra necessário atribuir valor à causa.

Pois bem.

A decisão apontada como coatora foi exarada nos seguintes termos: ‘Vistos, etc.

Notificadas as partes para que informassem sobre produção de outras provas, ambas pugnaram pela prova oral, tendo a ré manifestado sua discordância quanto à audiência telepresencial.

Requereu a parte autora, ainda, a produção de prova pericial ‘a fim de ter acesso ao algoritmo do aplicativo utilizado pela ré’, tendo em vista o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício.

Nomeio o perito Cristiano Santoro Magalhães Intime-se o i.expert para dizer se aceita o encargo, bem como para estimar seus honorários, ciente de que o pagamento será feito ao final pela parte sucumbente e nos limites da legislação em vigor.

Vindo a informação, intimem-se as partes para no prazo comum de 10 dias apresentarem quesitos e assistentes, bem como digam sobre a viabilidade técnica da perícia telepresencial.

Viável por todos a modalidade telepresencial, intime-se o i.perito para que designe dia e hora para início da perícia. Com a informação, dê-se ciência às partes. Laudo: trinta dias.

Caso inviável tecnicamente a modalidade telepresencial, com o retorno da normalidade proceda-se na forma do parágrafo anterior, intimando-se perito para designação de dia e hora, bem como em seguida dando ciência às partes.’ (fl. 410, sublinhei)

Nos termos do caput do art. 300 do CPC de 2015, a tutela de urgência cautelar – assim também a antecipatória – deve ser concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito (fumus boni iuris) e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).

De acordo com a norma inscrita no art. 7.º, III, da Lei 12.016/2009, a suspensão do ato coator está condicionada à demonstração da existência de ‘fundamento relevante’ e do risco de ‘ineficácia da medida’, caso seja ao final deferida.

No caso, a controvérsia acerca da necessidade, do cabimento e da licitude da prova pericial no algoritmo utilizado no aplicativo da Requerente é matéria de alta complexidade, exigindo debate aprofundado.

Parece-me que o problema não é a utilização dessa prova na instrução da reclamação trabalhista, que poderia ser questionada em recurso ordinário, interposto após a prolação da sentença.

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

O fato é que a realização da questionada prova técnica tornaria inócuo – quando menos, desnecessário – o provimento final a ser expedido pela SBDI-2 do TST no julgamento do recurso ordinário interposto no mandado de segurança.

Sem prejuízo do exame dos objetivos pretendidos pelo Requerido com a obtenção das informações a partir da prova pericial, é certo que os riscos que podem advir da realização de tal diligência probatória precisam ser avaliados com maior acuidade, porquanto tem ela potencial de trazer à tona informações sigilosas, aparentemente fundamentais no segmento empresarial de atuação da Requerente, baseado em tecnologia digital. E nesse aspecto, a pretensão de urgência se mostra clara e objetivamente justificada, até porque, sem prejuízo de digressões outras, a forma como se dava o relacionamento entre as partes em disputa — aspecto essencial para a definição de sua real natureza jurídica, à luz dos requisitos inscritos nos arts.

2.º e 3.º da CLT — parece mesmo prescindir de dados adicionais vinculados aos

parâmetros de operação da plataforma utilizada.

Por essas breves razões, DEFIRO a tutela provisória de urgência para conferir efeito suspensivo ao recurso ordinário e suspender a realização da prova pericial deferida na ação trabalhista n.º 0100531-98.2020.5.01.0080, cujo objeto é o algoritmo da Requerente, até o julgamento do apelo já interposto no mandado de segurança n.º 0103519-41.2020.5.01.0000.

Comunique-se, com urgência, ao TRT da 1.ª Região e ao Juízo da 80.ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro/RJ.

Intimem-se  a  Requerente  e  o  Requerido.” (TutCautAnt-1000825-67.2021.5.00.0000, Relator: Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DJE 1.º/6/2021.)

 

 

mora.

Logo, restam configurados o fumus boni iuris e o periculum in

 

Com amparo nesses fundamentos, dou provimento ao Recurso

 

para conceder a segurança pleiteada nestes autos, cassando o Ato Coator que deferiu a produção de prova pericial no sistema informático da impetrante.

Oficie-se, com urgência, à Presidência do TRT da 3.ª Região e ao Juízo da 33.ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, dando-lhes ciência da presente decisão.

ISTO POSTO

 

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do

 

 

PROCESSO Nº TST-ROT-11772-82.2022.5.03.0000

 

Recurso Ordinário e, no mérito, dar-lhe provimento para conceder a segurança pleiteada nestes autos, cassando o Ato Coator. Oficie-se, com urgência, à Presidência do TRT da 3.ª Região e ao Juízo da 33.ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, dando-lhes ciência da presente decisão.

Brasília, 24 de outubro de 2023.

 

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

LUIZ JOSÉ DEZENA DA SILVA

Ministro Relator


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